Bem, só venho cá deixar um desabafo. Já sei que vai soar a falta de sensatez. Mas também é preciso às vezes dizer sem grandes filtros o que o nos vem à cabeça. Pelo menos ajuda a limpar.
Terceiro ciclo de tentativas e os sintomas de TPM chegaram hoje ao final da manhã. Lá vieram as moinhas, as dores na lombar, e a lágrima fácil que já cá andava desde ontem. Gravidez à primeira tentativa em 2019 com perda às 6 semanas e meia. 35 anos. Ciclos menstruais de 24 dias… (Estarei a entrar na menopausa precocemente? Que medo tenho que isso me aconteça.) O corpo funciona. Sem quistos nos ovários, sem miomas, “um útero muito jovem”, diz o médico (o quê que isso quererá dizer?). E uma gravidez à primeira com aquela experiência horrível nas urgências. “Perdi o bebé? – Qual bebé? Isso nem uma gravidez foi!” (Sim, não se chegou a ver sequer o saco, foi tida como química). O raio da médica era mais nova do que eu. Disse-me aquilo com uma expressão de obviedade e sarcasmo típica de adolescente em fase da estupidez. Só faltou um “daah!” no final. Apeteceu-me ser bem maternal na altura e dar-lhe uma boa lição de moral, já que se esqueceu da ética e da deontologia que aprendeu na faculdade. Pateta da miúda. Não estivesse eu um caco a suster um choro compulsivo que durou uma semana.
Um ano depois e uma reviravolta na vida e cá estamos nós a tentar. O rapaz está cheio de otimismo. Quer três filhos. Duas meninas no mínimo (como se pudéssemos escolher!). Já anda a ver casas maiores. Já viu de tudo. Já sabe que há carrinhos duo e trio e que o trio é melhor porque a alcofa serve para não-sei-quê. Mas o que ele quer mesmo é um marsúpio. Mais cama de viagem para quando formos aos avós; mais os nomes, que não consegue decidir para menino. Mais dar beijinhos na barriga para dar boa sorte… E eu, lá nos confins escondidos das minhas entranhas, estou cheia de medo. Ciclos a encurtar – será que estou a entrar na menopausa? Oh pá, nunca saiu daqui uma criança, o meu útero convenceu-se de que não serve para nada? Cansou? Fechou a loja? Está em greve? E que raio da M que vem religiosamente certa e nem uma porcaria de um susto me prega? Tenho um cronómetro cá dentro, ãh? Será da água de hortelã que bebo ao almoço e ao jantar…? Li não sei onde que a hortelã não se deve consumir quando se tenta engravidar porque ajuda a vir o período. Acabou-se a água de hortelã! Não bebo mais. E o inhame, que diz que faz bem a regular o ciclo. Lá vai ela à procura do inhame no supermercado, para regular um ciclo num corpo que veio com cronómetro grátis incorporado. Oh céus, que afinal o que faz mesmo bem é o abacaxi. Come até fazer aftas na língua. Não beber álcool. Não tomar café. Não fumar. Não enervar. Evitar o Stress. O quê? Evitar o stress? Que bricandeira!
A M vem daqui a dois dias. Por este andar amanhã está cá, só para me lembrar que os anos estão a passar e ela está cá desde os 10 anos de idade, a estourar-me os óvulos todos os meses, como se aos dez aos eu me fosse reproduzir. Parvoíce de biologia! E no ciclo passado gastei a porra toda dos testes onestep de 50 cêntimos e agora só tenho dos mais caros. Recuso-me a usar o Clear Blue. Ainda tenho a foto do clearblue que fiz no ano passado. Nunca um sinal mais (+) me pareceu tão bonito. E se se repete tudo outra vez? Agora só quero testes de linhas paralelas.
Porquê que ninguém nos explicou um dia que isto não é nada fácil e nos coloca sob tanta pressão? Já leram aqueles artigos sobre “o que fazer antes de engravidar”? Mas é que nenhum manda ir fazer psicanálise, pá? A sério? Nem psicoterapia? Nem uma consultinha de 15 minutos com um psicólogo só para ver se aparentemente está tudo bem cá nos circuitos internos da parte mais alta do sistema, para ver se tanta pressão não vai fazer curto-circuito? Que raio! Andamos nós tantos anos a evitar uma gravidez para depois chegar à hora e ser assim? Ah, agora não dá que ainda estou a estudar. Ah, agora não dá que estou em estágio. Depois os contratos de 6 meses – “Porra um filho é pra vida toda. É melhor esperar. E se acaba o contrato? Como é que é?” Depois é o mercado de arrendamento que passa a exclusivo dos 10% mais ricos do mundo ou é convertido em camaratas hippie-chic para os broncos dos turistas ingleses virem mirar as miúdas. E depois finalmente um contrato sem data de fim, mas a centenas de km de casa. Vai de malas e bagagens – “pelo menos já podemos ter filhos”. Oh pá, que piada! E agora, que tudo isso está secundarizado porque já se percebeu que a crise é permanente, que até um raio de uma pandemia de um vírus com nome de tabaco reles nos veio acontecer porque não podemos não estar em crise, e que “o momento ideal” é um artefacto para nos pôr a trabalhar sem qualquer outro objetivo de vida, o útero está em greve! Hibernou!
Desculpem-me. Isto é só um grande parêntesis ao otimismo que nos deve acompanhar nesta fase de tentativas.Mas é assim que nos confins das minhas entranhas os medos intrusivos por vezes se sucedem. Num emaranhado irracional e sem nexo nenhum. É que, caramba, o tic-tac não para mesmo, e não consigo evitar ficar preocupada.