Porque hoje me apetece tagarelar!

Na Sala da Escolha

Vitrinista: Próximo!

Miguel: Sou eu. Não percebo porque temos sempre de fazer isto. Não era mais fácil tirar uma rifa? Só nos dão trabalho, raisparta o Chefe, pá.

Vitrinista: Desculpe mas tem mesmo de ser assim, não queremos levar com um processo em cima se depois de nascer não gostar da família que lhe calhou, não é verdade?

Miguel: Pois, pois... deixa lá amigo. Ao menos deixa ver se encontro aqui uns tipos porreiros que me deixem fazer asneiras à vontade e que não me dêem muito cabo da moina.

Vitrinista: Veja se estes são do seu agrado.

Miguel: Hum... estes não, parecem ser chatos...

Vitrinista: Então e estes... parecem boa gente.

Miguel: Olha, olha... vais ver que... não. Ahhhhh, e estes aqui...

Vitrinista: Acho que não deveria pôr esses como hipótese.

Miguel: Então porquê? Parecem porreirinhos!

Vitrinista: Ele é músico e ela é matemática, ou pseudo-matemática, ou massagista, já estou confuso. Acho que está tudo dito, não?

Miguel: Achas que são passados dos carretos?

Vitrinista: Não diria dessa forma mas... sim.

Miguel: Deixa cá ver mais ao perto...

Vitrinista: ... Tem de se despachar, já sabe que a janela de escolha se fecha rapidamente. Daqui a nada acabam e puf, já não os pode escolher. E olhe que a janela destes aqui não se abre muitas vezes, ao que parece ela tem um problema qualquer nos ovários.

Miguel: Pronto, seja o que o Chefe quiser. Quero saltar por esta aqui.

Vitrinista: Tem mesmo a certeza?

Miguel: Sim, homem, vamos lá!

Numa sala de estar, em plena passagem de ano
algures em terras lusas

Luís: Olha para o que eu te digo: fiz-te um filho agora!

E assim foi...

In-útero

Miguel: Hum, epá, acho que escolhi bem, pelo menos a hospedeira. Está quentinho aqui! E ainda por cima ninguém sabe que eu cá estou, tenho a casa só para mim e ninguém me chateia. A vida é bela.

Out-útero

Vanessa: Não sei que se passa comigo, ando com uma fome descomunal. Já viste bem o que eu ando a comer? Deve ser algum problema da tiróide outra vez, só pode.

Luís: Marca uma consulta, já te disse.

Vanessa: É, acho que vou fazer isso. Ainda por cima ando tão inchada...

Luís: Inchada? Só se for nos cabelos!

In-útero

Miguel: Bem, estar aqui até que é porreiro e tal mas isto de estar no anonimato já perdeu a sua piada. Deixa cá ver o que posso eu fazer para ver se alguém percebe... Hum, não, pontapés pelos vistos não funcionam. Eheheh, também eu é que sou morcão, mal tenho pernas ainda! Duhhh! Sendo assim, vou dar ainda mais fome à caramela a ver se ela abre a pestana para a verdade!

Out-útero

Vanessa: Eu sei que sou chata mas já viste bem o que eu ando a comer? Hoje fui-me pesar e sabes que mais? Estou com mais 5 quilos do que no Natal! Ai que eu estou tão gorda, não pode ser! Vou já fazer os líquidos!

Luís: Não ias ao médico? Deve ser da tiróide e tens é de tomar remédios para isso, não é fazer dietas. É sempre a mesma coisa contigo, nunca tratas de nada a tempo.

Vanessa: Olha, estava agora aqui a pensar... acho que é melhor fazer um teste de gravidez antes de ir ao médico. Já viste se estou grávida? Vou para lá fazer figura de estúpida!

Luís: Não estás nada grávida. Em Dezembro fizeste um teste, lembras-te? Lá estás tu com essas ideias na cabeça, depois ficas triste.

Vanessa: Sim, e até parece que entretanto não posso ter engravidado!

Luís: És tão desregulada, não percebo porque é que essa hipótese te passa pela cabeça. O médico não te disse que ias ter muita dificuldade em engravidar?

Vanessa: Sim, mas vai mas é comprar um teste, pelo sim pelo não.

Luís: Tu muito gostas de deitar dinheiro ao lixo, mas enfim.

No dia seguinte.
Eram 7h30 da manhã do dia 11 de Fevereiro de 2009. Vanessa levanta-se para ir à casa de banho. Faz chichi para um copinho, lê as instruções do teste e faz tudo como manda lá. Passados 2 segundos...

Vanessa: Ai, não acredito!

Vanessa confirma várias vezes, esfrega os olhos ou não fosse ainda estar a sonhar, vê que se mantêm as duas linhas bem visíveis e vai a correr para o quarto.

Vanessa: Fofinho... fofinho...

Luís: Hum... que é agora.

Vanessa: Vamos ter um bebé!

Luís processa por uns segundos, abre um olho, sorri e puxa-a para lhe dar um abraço.

Uns dias mais tarde, na Maternidade.

Médica: Vanessa Oliveira, sala 3.

Vanessa: Posso?

Médica: Entre. Então, que os traz aqui.

Vanessa: Descobri que estou grávida.

Médica: E???

Vanessa: ...

Médica: Oh menina, e que quer que lhe faça agora?

Vanessa: Quero saber de quanto tempo estou e se está tudo bem com o bebé, se for possível...

Médica: Ahhh, já podia ter dito que queria ficar com o bebé! Sendo assim olhem, vão ali às urgências, eu ligo para lá e já faz uma ecografia. Boa sorte!

Nas urgências.

Médica: Vanessa Oliveira, gabinete 2.

Vanessa: Posso?

Médica: Entre. Então, é para fazer eco? Quando foi a sua última menstruação?

Vanessa: 16 de Outubro de 2008.

A médica arregala os olhos, olha para a barriga (ou falta dela) da Vanessa e vai a falar mas...

Vanessa: Em Dezembro fiz um teste que deu negativo. Sou muito irregular, tenho um quisto grande num dos ovários e vários mais pequenos no outro, por isso...

Médica: Ah, ok. Deite-se aqui, então.

Começa a ecografia.

Médica: Hum, está tudo bem. Deve estar de cerca de 9 semanas. quer ouvir o coração?

TUM-TUM, TUM-TUM, TUM-TUM!

In-útero

Miguel: Deixa cá ver se consigo espreitar a ver se vou ser gaijo ou gaija... Eheheh, já sei! Mas os caramelos não vão ficar a saber para já, deixa-os ficar na ignorância, só lhes faz bem um bocadinho de nervos. Ainda por cima todos aqueles testes malucos, tabelas chinesas e superstições da avozinha apontam para o que eu não sou... Uahahahahahaha!

Out-útero

Vanessa: Estar em casa sem fazer nada e sem me poder mexer está a dar cabo de mim... Maldito descolamento da placenta!

Luís: Pois é, fofinha. Mas tem de ser, já sabes.

Vanessa: Hoje vou fazer a eco morfológica, estou ansiosa! Será que já vai parecer uma pessoa?

Luís: Não sei. Mas vê se já dá para saber o sexo, não te esqueças de perguntar.

Mais tarde, na Maternidade.

Médico: Vanessa Oliveira, sala 1.

Vanessa: Posso?

Médico: Sim, entrem. A menina deite-se aqui e a sua irmã sente-se ali naquela cadeira.

Vanessa: Não é minha irmã, é a minha mãe!

O médico sorri e diz:

Médico: A sério?! Não parece nada! Bem, aqui vamos nós então.

...

Vanessa: Está tudo bem?

Médico: Sim, até agora está, o miúdo é que não pára quieto um segundo, não me deixa fazer as medições. Comeu açúcar antes de vir para cá?

Vanessa: Não... porquê, devia?

Médico: ...

Avó: Como é que um bebé já assim com aquela forma cabe aí na tua barriga? É incrível, não é?

Vanessa: Pois é... já parece uma pessoinha!

Médico: Está tudo bem, pode estar descansada. Tem aqui um bebé muito activo.

Vanessa: E isso é bom?

Médico: Claro que sim! Mas não dá para ver o sexo ainda... o bebé não abre as pernas, está a ver?

In-útero

Miguel: Eheheh, devias querer sugos, devias! Toma lá que já almoçaste!

In-útero

Miguel: Ai que nervos, o tempo não passa e eu quero é sair daqui para fora! Ainda por cima olhem bem a minha sorte. Tinha de me sair na rifa uma mãe com um corpo que não conserva a glicose e ela come come come e eu aqui sempre cheio de larica! Ups, não me saiu na rifa, fui eu que escolhi, às vezes esqueço-me. Só espero que valha a pena lá fora!

Out-útero

Vanessa: Já viste bem a minha barriga?

Luís: Que tem.

Vanessa: Está enorme!

Luís: Só se for à lupa!

Vanessa: Olha, para quem não tinha nada já é grande!

Luís: Sim, Vanessa, tudo o que tu quiseres...

In-útero

Miguel: Toma lá um pontapé a ver se andas mais rápido para a cozinha, sua preguiçosa, passas a vida feita pastelona no sofá! E come mas é um bolicao que já vomito Cerelac e Nestum pelos cabelos!

Out-útero

Vanessa: Oh, oh, acho que senti alguma coisa... deixa-me deitar a ver se sinto outra vez.

Luís: Devem ser gases.

Vanessa: Pois, se calhar...

In-útero

Miguel: Já estou farto que me chamem bebé. Quero um nome, oh pascácios! Ah pois, eles ainda não sabem o que eu tenho no meio das pernas...

Out-útero

Luís: Estás fartinha de ir ao hospital por tudo e por nada, custava-te assim tanto perguntares o sexo do teu filho?

Vanessa: Não é por tudo e por nada! Já sabes que não fico descansada em casa se tiver dores ou não sentir o bebé mexer em condições!

Luís: Pois, como ontem que ele tinha-se era virado para o lado de dentro e tu não o sentias, sua insensível...

Vanessa: Mas olha, ontem pareceu-me que vi lá uma pilinha, mas podia ser o cordão umbilical.

Uns dias mais tarde numa consulta na Maternidade.

Médica D: Vamos lá ver então esse problema na placenta. Oh Dr. Ecógrafo, faz aqui uma eco se faz favor!

Dr. Ecógrafo: Hum... realmente esta placenta não está normal... estas coisas aqui, está a ver Doutora? Acho que já sei o que é. Esta placenta está em grau III, sem dúvida alguma.

Médica D: Tens a certeza?

Dr. Ecógrafo: Sim, está a ver?

Médica D: Vanessa, sabes o que significa isto?

Vanessa: Sim... mas e agora? Ainda só estou com 24 semanas...

Médica D: Vais ver que vai correr tudo bem. Tens é de ficar o mais parada que conseguires e comer muito bem. Daqui a umas semanas logo se vê se o bebé está a crescer. Ele é grande, mesmo que nasça prematuro tem hipóteses.

Dr. Ecógrafo: Doutora, acho que... olhe aqui.

Médica D: Sim sim, também acho que é. Querem saber o sexo do bebé?

Vanessa e Luís: Sim!

Dr. Ecógrafo: Parace-me, sem grandes dúvidas, que é um rapaz. Estão a ver aqui?

Médica D: É a pilinha dele!

Vanessa e Luís: Ohhhhhh...

Out-útero

Vanessa: Fofinho, tenho muitas dores na barriga, aqui, vê.

Luís: Que queres que te faça.

Vanessa: Mas dói mesmo muito... já sabes que eu fico com medo por causa do problema na placenta.

Luís: Vai-te lá vestir.

Passados uns minutos, nas urgências.

Médico X: Vánessa Oliveirá, sala 2.

Vanessa: Posso?

Médico X: Pôde. Outrá véz?! Qué fói déstá véz?

Vanessa: Tenho aqui uma dor...

Médico X: Deite áli e tire roupa, se fáz fávore. Fázer eco.

In-útero

Miguel: Ai que a vida aqui dentro é uma seca! Deixa cá ver se consigo dar cabo deste fio aqui... Hum, que é isto?! OUTRA VEZ????!!!! Não há paciência, mulher! Batam-me, batam-me porque eu não acredito que isto me está a acontecer! Não me digam que fui escolher uma caramela paranóica para minha mãe, era só o que mais me faltava! Isto agora é todas as semanas? Não tens mais nada que fazer do que ir ao hospital? Deves gostar de me ver em trajes menores ai nesse monitor, deves! Depravada!

Out-útero

Vanessa treme por todos os lados,

Médico X: Olhe áqui, vê? É bébé, áqui é cábeça, áqui é... um rápáz. Não tem nádá male.

Vanessa: Então de que são as dores?

Médico X: Déve ser infecção urináriá. Levá áqui éstes remédio e tóma. Dôr passa.

Vanessa sai do consultório.

Luís: Então?

Vanessa: Adivinha.

Luís: Infecção?

Vanessa: Urinária desta vez, pela sexta vez desde que engravidei.

Luís: Pois...

Vanessa: Não há paciência...

In-útero

Miguel: Mulher, tu come para aí que estás muito magrinha! Pede aí ao morcão que me vá comprar donuts e uns bolicaos ali ao Leclerc que eu ando com desejos... vai na volta estou grávido, querem ver!

Out-útero

Vanessa: Fofinho...

Luís: Que é agora?

Vanessa: Sabes o que me estava mesmo mesmo a apetecer para o lanche?

Luís: Nada que me faça sair de casa agora, de certeza!

Vanessa: Por acaso faz, mas também o supermercado é já ali ao lado. Apetecia-me bolicaos.

Luís: E aqueles quatro que comprei há dois dias, já os comeste???

Vanessa acena com a cabeça devagar e faz um ar culpado.

Luís: depois vem-te queixar que estás gorda!

Vanessa: Já sabes que o Miguel se mexe mais quando como bolicaos, e como hoje ainda não o senti a mexer muito, antes de ir para o hospital acho que não fazia mal tentar essa técnica...

Luís suspira, levanta-se do sofá e dirige-se para a porta.

Luís: A tua sorte é que eu vos amo muito!

In-útero

Miguel: Estou a ver que estes dois são fáceis de convencer. Agora sim, começo a ver alguma luz ao fundo do túnel.

Out-útero

Passados alguns dias, na clínica das ecografias...

Vanessa: Estás ansioso para ver o Miguel a 3D?

Luís: Claro que sim fofinha! Só espero que isso do 3D não seja um fiasco.

Médica: Vanessa Oliveira, sala das ecografias.

Vanessa: Posso?

Médica: Entrem.

A sala era minúscula.

Médica: Mamã, deite-se aqui. Papá, sente-se ali.

Luís fica a olhar a ver se encontra o sítio onde a médica queria que ele se sentasse. Acabou por ficar ao lado da marquesa, encolhido contra a parede.

Médica: Ora cá vamos nós então. Hum... tudo muito bem. Tem aqui uma dilatação no rim, mas não me parece nada de relevante.

Vanessa: E a placenta, está a funcionar em condições ainda?

Médica: Sim, é uma placenta de grau I, sem problema nenhum.

Vanessa sentiu um misto de raiva, euforia e alívio. Afinal de contas os médicos são humanos, também têm direito a errar, mas toda aquela angústia que tinha sentido durante as últimas 7 semanas tinham deixado marcas.

Médica: Vamos então ver se conseguimos apanhar a carinha aqui do bebé a jeito para a eco a 3D.

Passados uns minutos...

Médica: Está difícil, ele tem a cara, literalmente, colada à placenta!

Vanessa: Deve ser fofinha.

Luís ri-se.

Médica: Deixe ver se o tiro do sítio. Mas já agora vejam aqui as jóias de família a 3D!

Vanessa: Olha ali, até se vê bem os tomatinhos! Que lindo!

Alguns minutos depois e após muitos abanões da barriga e mudanças de posição.

Médica: Olhe, esta é a melhor imagem que consigo ter. Estão a ver aqui a cara dele? Tem esta mancha aqui que é a placenta, mas dá para notar.

Vanessa: Olha-me só para aquelas bochechas!

Luís: Parece o Mário Soares!

Vanessa: É normal, com este tempo, já ser tão rechonchudo?

Médica: Então, menina, claro que sim! Há bebés que nascem com esta idade gestacional e têm um aspecto normal de recém-nascido.

Vanessa: Ah, pois, não me lembrei disso.

Out-útero

Vanessa: Ai que este calor está a dar cabo de mim! Mete aí a ventoinha no máximo.

Luís: Já está no máximo.

Vanessa: Olha, esta semana temos a eco das 36 semanas. É a última, estou ansiosa.

Luís: Não sei porquê, fazes ecografias semana a semana nas urgências do hospital!

Vanessa: Pois, o Médico X até já me conhece! Foi ele o primeiro que me atendeu ali, quando fui com o descolamento da placenta. E o mais engraçado é que noto melhorias no sotaque dele!

Luís: Sim, já me contaste essa história mais de mil vezes. Estás a ficar como a ovelha: choné!

Vanessa: A ovelha choné é linda!

Luís: Eu não disse que eras feia, pois não?

Passados alguns dias.

Vanessa: Ai, estou ansiosa.

Médico: Vanessa Oliveira, sala das ecografias.

Luís: Podemos?

Médico: Entrem. A menina deite-se, o senhor sente-se.

Acomodações feitas, gel espalhado pela barriga...

Médico: Ora então vamos lá ver. Coração tudo bem, cabeça tudo bem. O rim continua dilatado. Aqui está a coluna. Ei lá que o rapaz é forte, não gosta aqui da sonda! Hum... está mesmo encaixado, prontinho a nascer. Na minha opinião é uma questão de dias. De quanto tempo disse que estava, 39 semanas?

Vanessa: Não, 36.

Médico arregala os olhos.

Médico: Pois ele já pesa 3680g e mede 50cm, bons movimentos pulmonares... é, mais dois ou três dias, não passa daí.

Vanessa e Luís apertam a mão e sorriem um para o outro.

Já cá fora...

Vanessa: Bem, agora ainda fiquei mais ansiosa!

Luís: É bom que esse feijão nasça rápido, já viste, já pesa três quilos e setecentos! Se chega às 40 semanas nem vai consegui sair por aí!

Vanessa: Vamos para casa para ir andar na passadeira. Ouvi dizer que ajuda no processo.

Uma semana depois.

In-útero

Miguel: Fogo, não entendo. Enfiei aqui a cabeça há duas semanas e agora não consigo sair daqui porquê? E eu a pensar que tinha escolhido uma mulher com anca de parideira para chamar de mãe a agora dá nisto. Devo ser mesmo cabeçudo, ao menos que tenha herdado alguma inteligência! Bem, se não consigo desencaixar a cabeça vamos lá a ver se me consigo enfiar um bocadinho mais para baixo que isto aqui está a ficar apertado demais e um gaijo precisa de espaço para dar à perna.

Out-útero

Vanessa: Ai! Outra contracção. estão a ficar mais fortes.

Luís: Mas achas que estão mais regulares?

Vanessa: Não sei, mas que estão a ficar mais próximas estão.

Luís: Será desta que ele sai cá para fora? Já era tempo!

Nas urgências.

Médica: Vanessa Oliveira, sala 1.

Vanessa: Posso?

Médica: Entre. Então vamos cá ver. Este CTG acusou uma montanha de contracções, são umas em cima das outras! Não tem dores?
Vanessa: Tenho, mas são suportáveis.

Médica: Admira-me como ainda consegue andar aí de pé! Deite-se aqui para ver.

Toque.

Médica: Tem dedo e meio de dilatação, realmente está atrasado. Olhe, vai para casa mas se não for hoje é amanhã. Já nem tem rolhão mucoso. Volta cá se as coisas começarem a aquecer.

Cá fora.

Luís: Então? É para ir buscar as malas?

Vanessa: Não. Estou com muitas contracções e dedo e meio de dilatação mas vou para casa.

Luís: Vais já a correr para a passadeira que eu quero conhecer esse filho da mãe hoje!

Out-útero

Às 10h30 da manhã do dia 20 de Setembro de 2009, Vanessa e Luís estão já na Maternidade há espera de serem chamados para uma consulta de rotina. Vanessa estava de 39 semanas e 3 dias e sem perspectivas de ter um parto tão cedo.

Vanessa: Já viste bem, a gente a pensar que por esta altura o Miguel já teria nascido e afinal ainda ando aqui feita pote!

Luís: Pois, realmente todos os médicos diziam que faltava pouco, faltava pouco... seu filho da tua mãe, já queres mostrar que mandas, é?

Vanessa: Nem quero imaginar o tamanho dele agora! Deve estar uma lontrinha!

Enfermeira: Vanessa Oliveira, sala de cárdio.

Vanessa vai fazer o CTG. Meia hora depois...

Enfermeira: Deixe cá ver. Bem, contracções já tem algumas mas este CTG não está muito bom... vamos aqui abanar o pequenote a ver se ele acorda.

Mais meia hora passada.

Enfermeira: Bem, isto assim não pode continuar. A menina tomou o pequeno almoço?

Vanessa: Sim, até tomei 2!

Enfermeira: Não entendo... Vire-se antes para aqui.

Após muitas reboladelas, sacodidelas e abanadelas, e mais meia hora depois...

Enfermeira: Olhe, leve isto à doutora, mas não me parece que ela vá gostar muito.

De volta à sala de espera.

Luís: Então, já é para ficar?

Vanessa: Não sei mas agora fiquei preocupada.

Luís: Que estiveste a fazer? Já foste à Médica D?

Vanessa: Não, estive até agora no CTG. Não percebi bem mas parece que há um problema...

Médica D: Vanessa Oliveira, sala 2.

Luís: Podemos?

Médica D: Entrem, entrem. Deixem cá ver então o CTG.

...

Médica D sai da sala e vai chamar o Dr. Ecógrafo.

Médica D: Vanessa, anda cá. Dr. Ecógrafo, traça aqui um perfil biológico que não gostei do CTG.

Dr. Ecógrafo: Vamos ver então... hum, realmente. Já viu aqui? E ali?

Médica D: Isto não está bem, não...

Dr. Ecógrafo: Este bebé devia ter nascido há duas semanas atrás. Já viu as medidas dele? E a cabeça?

Médica D sai da sala e vai falar com o chefe. Vanessa levanta-se, limpa-se e no meio da confusão consegue olhar para o monitor do ecógrafo e ver lá o peso estimado para o Miguel: 4450g.

Vanessa: Credo!

Luís: Que foi?

Vanessa: Já viste, ali diz que ele pesa 4450g! Agora estou a ficar assustada com o parto.

Médica D: Vanessa, já ficas cá internada. Vais subir agora para o núcleo de partos e eu já lá vou ter para te fazer cesariana.

Vanessa: Mas cesariana porquê? Que se passa?

Médica D: Não tens líquido amniótico nenhum, o bebé tem o cordão ao pescoço, a cabeça muito grande, ele é muito grande e está a entrar em sofrimento.

Vanessa tremeu perante o cenário, suspirou de alívio por viver numa época em que a medicina já consegue lidar com casos como o seu e liga aos pais a avisar. Telefonemas feitos sobem os dois para o núcleo de partos.

Passadas 3 horas, 1 toque (que era desnecessário dada a situação mas enfim, o médico que o fez não sabia) e metros de folha de CTG a acusar contracções fortes de 10 em 10 minutos, chega a pessoa mais aguardada do momento.

Médica D: Já está tudo pronto? Vamos lá então.

A caminho do bloco os nervos começam a aumentar. Chegada ao bloco, Vanessa começa a sentir frio. Afinal de contas, ali o ar condicionado dá-lhe forte e aquelas mini-batas, uma para tapar a parte da frente, outra para tapar a parte de trás, ainda para mais tão pequenas para a sua altura de modelo esbelta (que piada a parte do esbelta), que deixavam-na quase com o cu de fora, não eram propriamente a coisa mais confortável para se ter vestido num momento como este.

Enfermeira: Mamã, vamos lá passar ali para a maca de cirurgia.

Vanessa, no auge dos seus 86 quilos (28 quilos a mais do que tinha apenas 9 meses antes) e matrafona como estava, arrasta-se de uma cama para a outra e eis que acontece o impensável: a cama parte-se a meio! Todos correm para socorrer a grávida em esforço para não cair, o que acabou por não acontecer por uma unha negra. Passado o rebuliço chega o anestesista.

Anestesista: Então, é rapaz ou rapariga?

Vanessa: É um rapaz, Miguel.

Anestesista: Rico nome, igual ao meu, vai ser bom moço de certeza! Problemas de saúde, tem algum?

Vanessa resume, por alto, a sua lista hipocondríaca a alguns itens mais relevantes.

Anestesista: Sendo assim teremos de dar raquidiana em vez da epidural. Curve as costas para trás e não se mexa... Ups, saiu do sítio. Vamos tentar novamente.

...

Anestesista: Bolas, saiu outra vez. Mais uma vez. Já entrou, agora vai aqui pelas vértebras... não se mexa agora... raios pá, outra vez? Mamã, tem aqui um desvio jeitoso na coluna, não me sabia ter dito?

Pobre Vanessa, ao não querer maçar o homem com a sua lista infindável de problemas, acabou por omitir um importante. Para a próxima desbobina tudo que é por causa das coisas.

Anestesista: Vamos lá outra vez... puf, isto está difícil!

Vanessa agarra a mão da enfermeira e só não a ferra porque não se pode mexer.

Anestesista: Vamos, há décima é de vez. Não, parece que não foi desta. Desculpe mamã, mas está complicado.

Anestesista chama a chefe dele.

Chefe: Não se mexa mamã, aguente, eu sei que dói... pronto, já está.

Vanessa roga pragas ao Anestesista e abençoa a chefe dele. As enfermeiras ajudam-na a deitar-se. Vanessa sente cada vez mais frio.

Médica D: Vanessa, sentes isto?

Vanessa: Sim.

Médica D: É frio ou quente?

Vanessa: Não sei.

Médica D: Vamos começar então. Bisturi!

In-útero

Miguel: Opá, não sei que se passa, estou a sentir-me cansado, não me consigo mexer, está tão apertado cá dentro... Que é isto???!!! Socorro!!!!!!!!!!!!!!!

Out-útero

Médica D: Oh rapaz, estás mesmo preso aqui na anca da tua mãe! Anestesista, ajude-me aqui, empurre na barriga a ver se o solto.

Após muitas sacodidelas e abanansos da barriga...

Médica D: Ah, já está. Ei lá, é mesmo cabeçudo! E tinha duas voltas do cordão ao pescoço e o outro ainda queria que a tivesse mandado para casa assim, tolo do homem!

Miguel: Não consigo respirar, não consigo respirar!

Após uns segundos de aspiração.

Miguel: Aiiii, já consigo respirar!!! UUUUAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!

Anestesista: Ei lá que o rapaz tem ali uns pulmões, vê-se logo que se chama Miguel!

Enfermeira: É tão grande! E russo!

Médica D: A quem sai ele assim loiro meio ruivo?

Enfermeira mostra Miguel a Vanessa. Vanessa olha para a carinha dele, tão fofinha, depois repara que ele é comprido e por fim olha para os ENORMES pés! Mas o Miguel estava azul, como é que elas viam a cor do cabelo dele? Enfim.

Médica D coze e agrafa Vanessa enquanto Miguel vai fazer a revisão geral. Passados uns minutos:

Enfermeira: Está tudo bem com o bebé, mede 52cm e pesa 4000g certinhas! Já vai ter com o pai.

Lá fora.

Enfermeira: Papá, está aqui o seu bebé.

Luís pega no Miguel, já todo limpinho e vestido.

Miguel: Quem é este gaijo? E que é aquela coisa esquisita na cara dele? Cabelo? Esta juventude...

Médica D sai e vai ter com Luís.

Médica D: Então, a quem é que ele sai com covinha no queixo?

Luís: Qual covinha? Não vejo nada!

Médica D: Então não se vê? Aqui!

Luís: Ah, isso, sai a mim, mas agora não dá para ver com a barba.

E, verdade seja dita, Vanessa no dia seguinte bem tentou descortinar a tal covinha mas sem resultados. Vanessa, Luís e restantes mortais apenas conseguiram ver a covinha hereditária meses após o nascimento do Miguel. Xiça que a mulher é mesmo perspicaz!

Miguel: Esta voz não me é estranha. Hum, acho que é o meu pai. Deixa cá olhar bem para ele... Estás mais gordo, oh papá!

Vanessa vai para o recobro e a enfermeira vai buscar o Miguel.

Miguel: Hum, esta aqui deve ser a minha mãe. Oh tu, podias fazer a fineza de dizer alguma coisa para eu ouvir a tua voz?

Vanessa: Oh, tão lindo e fofinho! Ohhhhh, meu bebé...

Miguel: És tu! Epá, até pareces ser uma tipa bonitinha, mas essa cara inchada e cheia de borbulhas não te fica a matar, não. Hum, que estás a fazer? E tu, oh enfermeira, que pensas que estás a fazer a esborrachar a minha linda cara nesta coisa mole? Hum... hum... ei lá, isto é bom. Comida!

E assim Miguel mamou pela primeira vez, e viu que era bom.

Lol, fui eu, claro, não plageio ninguém!

Mas o pior é que não tive de inventar nada, aconteceu mesmo assim, é uma descrição fidedigna da realidade (tirando os comentários do Miguel, claro!).

Obrigada a todas pelas palavras de elogio! Espero mesmo que o Miguel daqui a uns anos (nem que seja quando estiver para ser pai) aprecie este pequeno miminho que fiz a pensar nele e que relata, de forma muito verídica e fidedigna, os pontos mais importantes na gravidez dele. Mas dou por mim a pensar: ele é gajo, se calhar nem vai ler até ao fim e vai dizer que eu sou tola e que não quer saber disto para nada... Bem, pelo menos diverti-me a escrever!

Beijinhos a todas!

Obrigada MariaMig! Também espero que pelo menos a futura mulher dele goste! Eheheh, talvez um dia encene a peça com a família num aniversário dele, era uma ideia gira

Beijinhos

Olá!

Antes de mais obrigada por teres tido paciência para leres os meus devaneios! Pois, quando me mandaram para casa com contracções não me passei porque sabes como é, naquelas alturas a gente sujeita-se à vontade dos médicos, afinal de contas é suposto eles saberem do que falam, pelo que eu nem sequer me preocupei, sabia que, como não tinha dilatação quase nenhuma, eles pouco ou nada podiam fazer. O problema realmente é que o bebé já não andava bem há muito tempo mas só o descobriram no dia em que ele nasceu, nessa dita ecografia! E acredita que na altura o que mais me deixou nervosa não foi ter andado com contracções tanto tempo, foi mesmo não terem percebido antes que algo de errado se passava, até porque duas semanas antes de ele nascer foi detectado um problema no CTG mas que os médicos deixaram passar, já era um indício... Mas olha, felizmente correu tudo bem, mas acredita que numa próxima gravidez vou estar bem mais atenta e refilar muito mais, principalmente depois do parto!

Já vi pela tua assinatura que vais começar os treinos... espero que consigas rapidamente engravidar! Boa sorte

Carla Costa e Estrelinha89:

Muito obrigada pelos elogios!

Beijinhos e felicidades para ambas e família.

Muito obrigada pelos elogios. Fico muito feliz que esta minha história tenha servido um nobre propósito, o de arrancar sorrisos em momentos menos bons na vida de alguém! Foi escrita com muito amor e dedicação para registar de uma forma leve e divertida o início da melhor fase da minha vida.

Espero sinceramente que consigas concretizar também o teu sonho. Muitas felicidades.