Olá a todas, gostaria de partilhar a minha (triste) experiência por verificar que neste fórum há pouca ou nenhuma informação sobre este assunto. Por um lado ainda bem, porque trata-se de algo incomum e raro que pode acontecer 1 vez por cada 1000 casos. Por outro lado, quando passei pela situação gostava de ter lido algo mais sobre o assunto ou ler a experiência de alguém que tivesse passado pelo mesmo. E por isso resolvi partilhar a minha experiência (e espero sinceramente que não dê proveito a ninguém e que seja para mera informação).
Na ecografia do 1º trimestre (feita às 11 semanas) o médico não conseguiu fazer algumas medições importantes para concluir a eco e mandou-nos voltar dali a 2 semanas, ou seja, com 13 semanas.
Estranhámos a situação mas apenas pensei que o feto estaria pequeno e que precisaria de crescer mais.
Às 13 semanas dá-se um veredicto surreal e trágico: o feto sofria de anencefalia - uma anomalia rara causada por má formação do cérebro do feto e cuja condição impede a sobrevivência após o nascimento, isto se não nascer já morto.
A notícia caiu como uma bomba nas nossas vidas e entre os medos, as dúvidas e até a incredulidade, fomos para o hospital (Garcia da Orta) para a confirmação da notícia trágica.
O que fazer agora? "A interrupção de gravidez para estes casos é o mais indicado pois trata-se de um problema muito grave", diziam os médicos.
Próxima etapa após o choque: aceitar a ideia de que aquela gravidez não ia continuar. Entre a aceitação e o choque ficaram as dúvidas: "será que eu fiz alguma coisa? mas eu tomei tanto cuidado... porque é que isto aconteceu logo comigo?..."
Não havia tempo para lamentações. Quanto mais rápido fosse o processo, melhor, diziam os médicos mais uma vez.
Antes de ficar internada, fizeram uma biopsia, não para salvar o bebé (pois já não havia nada a fazer) mas para analisar a placenta de forma a tomar precauções em gestações futuras.
Para quem nunca fez uma biopsia é basicamente uma agulha grande que é espetada na barriga para tirar o líquido amniótico (com anestesia claro).
O processo a seguir foi muito rápido mas sentia que caminhava no desconhecido. Nestes casos, é feita uma interrupção de gravidez por medicamentos, ou seja, comprimidos vaginais para induzir o parto. Não é com anestesia nem com cirurgia. É da forma mais natural possível (e cruel também).
Fiquei internada num quarto só para mim e com casa de banho privativa (tomei isto como um luxo, porque primeiro, estava num hospital público e segundo, os outros quartos estavam lotados) e por isso pude chorar à vontade, pude ficar à janela a apreciar a vista, enfim...
Deram-me os comprimidos por volta da meia-noite para que durante as próximas 6 ou 7 horas começasse a ter contrações e entrasse em trabalho de parto.
Foi uma das noites mais longas da minha vida... Via as horas a passar, tinha contracções, tinha arrepios, tinha dores... Foi uma noite complicada. Por sorte ainda consegui ver o nascer do sol (visto do quinto piso do HGO é brutal). Apesar das enfermeiras me avisarem que o trabalho de parto poderia dar horas ou dias, eu desejei que tudo fosse muito rápido (como é óbvio). E foi o que aconteceu.
Às 8h rebentaram-me as águas e levaram-me de imediato para o bloco de partos. O parto em si não custou, foi mais a nível psicológico que custou mais. E para quem já teve um parto normal conhece a sensação de vazio e de alívio depois do bebé sair. Eu senti exatamente o mesmo, mas só mesmo a sensação de vazio. E é complicado porque o bebé tem coração e está a bater, tem tudo formado e até tem cérebro, mas não tem crânio, logo nunca iria sobreviver no futuro. Mas naquele momento ele estava vivo e teve que sair.
Foi muito complicado processar tudo isso.
Depois do "parto", deu-se o processo de curetagem, e ao contrário do que o nome indica (quando é falado rapidamente), não se trata de nenhum corte ou nada do género. É apenas a limpeza da cavidade uterina e que é feita com anestesia local. Esse processo demorou mais ou menos 30 minutos e depois tive 2 horas de repouso até me poder levantar.
Tudo acabou por volta das 13h30, hora em que pude regressar para casa com o meu marido e a minha filha de 3 anos.
O sangramento continua durante uns dias e é perfeitamente normal (a não ser que haja dores fortes ou um sangramento abundante, aí deve-se ir imediamente ao hospital).
Já lá vai uma semana desde que aconteceu e a única coisa que posso dizer é que hoje sou uma mulher mais forte. Recuso-me a cair na depressão, na tristeza ou na condenação, porque não fui a culpada mas também não sou a vítima. Apenas tento ver o lado bom em tudo e sei que dias melhores virão!
Aproveito para deixar um agradecimento público a toda a equipa de médicos e enfermeiros do HGO e do Centro de Saúde de Corroios, porque também eles são humanos e também merecem o nosso respeito e carinho, tal como o demonstraram incansavelmente para comigo.
Espero que ajude alguém que tenha passado ou esteja a passar por uma situação idêntica (mas no fundo espero que não haja ninguém!).
Abraços e Força a Todas!