Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção: o que é e como intervir? | De Mãe para Mãe

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Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção: o que é e como intervir?

Cláudia Chasqueira, Psicóloga Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde Cláudia Chasqueira, Psicóloga Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde


“A Sofia não consegue terminar os trabalhos da escola, deixa-os sempre incompletos”, “o Afonso está sempre aos saltos, a abanar as pernas, levanta-se permanentemente, perturba as aulas… o professor já não sabe o que fazer.”, “A Maria parece que está sempre no mundo da lua e distrai-se até com uma mosca”, “Já evitamos sair de casa para ir a restaurantes ou casa de amigos, porque as birras, os olhares e os comentários nos fazem sentir que somos péssimos pais do Duarte.”.

São estes relatos que muitos pais partilham quando sentem que chegou o momento de procurar ajuda para melhor compreender o comportamento dos seus filhos. Estes são, também, os relatos que necessitam de um olhar rigoroso, de forma a apoiar e compreender como poderão ser entendidos à luz de um quadro clínico de uma Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA), para não caírem naquilo a que frequentemente assistimos: virem associados a estereótipos e preconceitos de crianças insuportáveis, mal comportadas, pais com fracas competências, contextos familiares disfuncionais ou professores com metodologias inadequadas.


O que é a PHDA?

É uma perturbação do neurodesenvolvimento, de base neurobiológica, marcada por sintomas persistentes de desatenção, hiperatividade e/ou impulsividade. É uma das perturbações do neurodesenvolvimento mais frequentemente discutidas e observadas em idade escolar. É-o na medida em que, por força das exigências e competitividade dos contextos educativos e sociais, expõe as crianças com maiores vulnerabilidades ou predisposição para dificuldades específicas na regulação do comportamento, controlo dos impulsos, manutenção da atenção e gestão emocional. No entanto, a PHDA é uma perturbação crónica, que poderá condicionar o desempenho académico, social, familiar e profissional ao longo da vida.


Como se diagnostica?

O diagnóstico de PHDA é clínico, não havendo marcadores biológicos ou exames de imagem complementares que possam determinar o quadro clínico. Apesar de ser claro na comunidade científica a existência de alterações funcionais e no desenvolvimento de determinadas áreas cerebrais, bem como fatores genéticos e de hereditariedade, é consensual que apenas poderá diagnosticar-se de forma criteriosa quando são evidentes sintomas comportamentais severos, incompatíveis com os contextos em que ocorrem, com a idade e o nível de desenvolvimento e que provocam um impacto funcional no dia-a-dia, nomeadamente nas aprendizagens e relacionamentos interpessoais.

A avaliação, baseada em critérios específicos, definidos no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, da Academia Americana de Psiquiatria (DSM-V) é centrada nos sintomas nucleares – a atenção, a atividade e os impulsos. É efetuada por uma equipa multidisciplinar e depende da subjetividade dos avaliadores – os pais e quem melhor conhece a criança e com ela partilha momentos – e deve ter em consideração o comportamento da criança em diferentes contextos: casa, escola e comunidade, pois é nesses em que as suas maiores vulnerabilidades surgem, nomeadamente naqueles em que é exigido esforço mental mantido e prolongado. Esta questão merece especial destaque, uma vez que não é incomum cair-se no erro de considerar que o facto de uma criança ver um filme até ao fim, ou um jovem manter-se num videojogo por duas horas, exclui a possibilidade de um quadro de PHDA.


De Mãe para Mãe Cláudia Chasqueira Instituto Belong Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção: o que é e como intervir?


Como se manifesta nas crianças e adolescentes?

Através de dificuldades na capacidade para manter a atenção, controlar movimentos, inibir impulsos e regular o comportamento. Poderemos destacar a desatenção como o fator nuclear.

Sintomas de agitação motora e impulsividade, dificuldade em permanecer sentado, movimento constante, correr e saltar em contextos em que não é ajustado fazê-lo, responder antes de terminada a pergunta, interromper (…) vão-se esbatendo ao longo do desenvolvimento. Permanecem os erros por descuido, distratibilidade fácil, tarefas inacabadas, parecer que não está a ouvir, dificuldade em executar tarefas que exijam atenção continuada e com estímulos simultâneos.

Os estudos têm vindo a confirmar que estas dificuldades derivam de défices ao nível do funcionamento executivo, que evocam processos cognitivos relacionados com as habilidades em ativar, antecipar, planear, autorregular, monitorizar, focar, em aceder e usar a memória de trabalho, em gerir a frustração. É, pois, sobre estas que deveremos avaliar, não só o prejuízo nas aquisições académicas, mas também nas relações sociais, familiares e autoestima destas crianças, e intervir o mais atempadamente possível.


Como intervir?

Consoante as especificidades, deve ser delineado um plano de intervenção ajustado a cada criança. As respostas farmacológicas e psicossociais devem ser contempladas e combinadas, aquando da sua necessidade.

Seguem-se algumas recomendações e acomodações práticas, sendo algumas transversais às diferentes fases do desenvolvimento:


Perído pré-escolar:
  • Organizar e diferenciar espaços, com apoio de pistas visuais.
  • Promover comportamentos positivos através do elogio.
  • Organizar rotinas (sono, alimentação, lúdico, pedagógico).
  • Brincar: tempo especial e planos de recompensas.


Período escolar:
  • Dividir tarefas – torná-las mais curtas, com instruções explícitas, não encadeadas.
  • Organizar listas de trabalhos de casa.
  • Intercalar tipos de tarefas.
  • Dividir e organizar o espaço físico, com poucos estímulos distratores.
  • Permitir levantar algumas vezes durante um período de trabalho.
  • Acompanhar instruções escritas de instruções verbais.


Adolescência:
  • Utilizar auscultadores para onde o professor fale diretamente.
  • Utilizar um relógio para apoiar a automonitorização.
  • Procurar o envolvimento do jovem durante a apresentação da aula.
  • Reforçar os esforços e destacar áreas que promovam um autoconceito positivo.

  • Aliada a este tipo de estratégias, deverá ponderar-se a necessidade de ajustamentos em contexto escolar, com medidas educativas para minimizar as vulnerabilidades da PHDA ou suas comorbilidades. Também as intervenções cognitivas, comportamentais e familiares, pelo impacto na autorregulação, gestão de conflitos e relações sociais, autoestima e autoconceito, poderão ser uma resposta apoiada às crianças, jovens e famílias…para que as Sofias, Afonsos, Marias e Duartes não vejam boicotados os seus potenciais máximos, suas forças e competências e possam exercer um maior autoconhecimento e promoção da sua funcionalidade global.




    Artigo originalmente publicado na quarta edição da Revista De Mãe para Mãe, em julho de 2020.

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