Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção | De Mãe para Mãe

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Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção

Quando o “isso passa com a idade” não é bem assim


Joana Raposo, Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta e Ricardo Encarnação, Pedopsiquiatra


“Eu também era assim e nunca ninguém me disse que era hiperativo. Chamava-se outra coisa nessa altura!”

“Distraído, mas só para o que não lhe interessa.”

“Isso no meu tempo resolvia-se de outra maneira…”


Estas frases perduram nas nossas memórias após centenas de consultas em que se discute um diagnóstico de Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) com pais, avós e tios.

Na realidade, poucas outras patologias têm merecido tanta e tão prolongada discussão social, com opiniões pessoais avulsas utilizadas com peso igual ao de argumentos científicos extensamente comprovados.


Isso passa com a idade… ou não será bem assim?

A PHDA não é um distúrbio benigno e, contrariamente ao que por vezes se pretende fazer crer, a ausência de diagnóstico e de tratamento adequado pode causar problemas devastadores ao longo da vida. A disfunção cerebral associada à PHDA envolve importantes áreas neurocognitivas (função executiva, memórias de trabalho, linguagem, atenção e controlo motor), prejudicando o funcionamento académico, familiar, ocupacional e social.

De acordo com estudos de história natural da doença, nos casos mais graves na infância e adolescência são frequentes as situações de maior conflito (muitas vezes entre irmãos), poucos amigos, desinteresse e abandono escolar precoce, problemas de comportamento, aumento de traumatismos em acidentes, maior tendência para o uso de tabaco ou drogas ilícitas, maior risco de gravidez na adolescência, menor produtividade dos pais e maior risco de separação ou divórcio dos pais. Já na idade adulta, a PHDA não tratada parece estar associada a uma maior probabilidade de deficiente desempenho profissional, maior absentismo, condução com excesso de velocidade e acidentes de automóvel mais frequentes, sintomas depressivos, perturbação da personalidade e criminalidade.

A informação destes últimos parágrafos não pretende ser alarmista, mas antes chamar a atenção para uma patologia que, quando ignorada ou desvalorizada, pode estar associada a um sofrimento e impacto negativo muito significativos. Contudo, cada vez mais, a sociedade está mais alerta para este facto, permitindo uma sinalização e diagnósticos mais precoces e possibilitando uma intervenção pronta que contribui para um melhor prognóstico.


De Mãe para Mãe Instituto Belong PHDA


Como deve ser tratada?

Ao ser reconhecida, a PHDA deve ser abordada de forma multimodal (abrangendo tratamento farmacológico, intervenções psicológicas, adaptações da dinâmica familiar e, por vezes, adaptações a nível escolar), sempre tendo como objetivo a minimização do impacto funcional por ela causado no doente e na sua família. O tratamento da PHDA deve ser personalizado a cada situação e pode incluir estratégias farmacológicas, não farmacológicas ou a combinação de ambas. Apesar de se observarem resultados a longo prazo com todas as modalidades de tratamento, a combinação de tratamento farmacológico e não farmacológico é a que demonstra resultados mais consistentes, particularmente no que respeita à autoestima, função social, desempenho académico e laboral.


Considerando a PHDA em idade pediátrica, o envolvimento dos pais (ou outros cuidadores) e das escolas é fundamental. O impacto da sintomatologia sente-se nos diferentes contextos e, muitas vezes, a “simples” psicoeducação em relação à doença e a algumas alterações do dia a dia revela-se central no processo terapêutico.

A psicoterapia com intervenção cognitivo-comportamental mostrou-se igualmente eficaz em vários sintomas da PHDA, sendo que assenta numa abordagem mais comportamental nas crianças e progressivamente mais cognitiva nos adolescentes e nos adultos.

Nos casos diagnosticados e que apresentam um impacto significativo no funcionamento emocional, académico e/ou social, o tratamento farmacológico deverá ser considerado como a intervenção de primeira escolha, acompanhado de outras medidas terapêuticas não farmacológicas consideradas necessárias.

Em Portugal existem três opções farmacológicas disponíveis, sendo que duas são estimulantes (metilfenidato e lisdexanfetamina) e outra não estimulante (atomoxetina). A escolha de qual o medicamento adequado para cada caso é feita com base em múltiplos fatores, mas as recomendações internacionais apontam para a utilização do metilfenidato como primeira opção em crianças e adolescentes, e do metilfenidato ou lisdexanfetamina em adultos. A atomoxetina está indicada quando os medicamentos de primeira linha não se mostraram eficazes.

Com mais de meio século de utilização regular em todo o mundo, o metilfenidato é o psicoestimulante mais estudado e mais utilizado em idade pediátrica, com um perfil benefício-risco muito favorável e incomum no contexto dos psicofármacos. Quando eficaz, apresenta efeitos positivos evidentes na redução da hiperatividade e impulsividade, bem como no aumento das capacidades atencionais e cognitivas.

Hoje, sabe-se que o tratamento da PHDA com metilfenidato durante a idade escolar tem um efeito protetor do sistema nervoso central, com redução da incidência de outras perturbações psiquiátricas em idade adulta. Vários estudos imagiológicos com recurso a ressonâncias magnéticas têm vindo a demonstrar que algumas das alterações estruturais existentes no sistema nervoso central de crianças com PHDA tendem a normalizar após tratamento continuado com metilfenidato.

Como em qualquer outra doença do neurodesenvolvimento, as manifestações, evolução e prognóstico da PHDA são muito variáveis e evoluem à medida que o processo de maturação cerebral acontece. Assim, é fundamental que o plano terapêutico acompanhe esta evolução, permitindo a minimização do impacto dos sintomas enquanto potencia o desenvolvimento de competências-chave para uma vida mais funcional.




Artigo publicado originalmente em outubro de 2020, na edição #04 da Revista De Mãe para Mãe.

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