A Comunicação e a Autoestima na Gaguez | De Mãe para Mãe

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A Comunicação e a Autoestima na Gaguez

7 Estratégias para falar com a criança

A comunicação assume um papel fundamental no que toca ao desenvolvimento pessoal e social de todos nós. É nas relações sociais, suportadas pela comunicação, que nos desenvolvemos, construímos a nossa autoestima e progredimos ao longo da nossa vida. A forma como adulto comunica com a criança determina, muitas vezes, a forma como esta se perceciona. Pode sentir-se uma criança capaz e suficiente, ou, muitas vezes, sentir que não é suficientemente boa naquilo que faz, diz ou é.

As crianças que gaguejam apresentam um discurso com uma fluência diferente do típico, sendo esta caraterizada por repetições, prolongamentos ou bloqueios. Estas surgem muitas vezes associadas a tensão, esforço e, sobretudo, a sentimentos de insuficiência, insegurança e evitamento face a situações comunicativas, apresentando, frequentemente, impacto no desenvolvimento da autoestima e da socialização.

Quando a gaguez surge no seio de uma família, é normal os pais sentirem-se assustados, inseguros, com dúvidas e receios face à forma como a criança fala. Sentem-se preocupados por não saberem como agir nas situações em que a gaguez surge.

É importante que o adulto assuma um papel ativo na forma como comunica com a criança, compreendendo que esta será impactante na evolução da gaguez e, sobretudo, na forma com a criança desenvolve a sua autoestima.

As seguintes 7 dicas poderão ajudar a melhorar a comunicação com a criança, permitindo-lhe oportunidades de comunicação prazerosas e contribuindo para o seu desenvolvimento pleno.

  1. Falar pausadamente

    Quando comunicamos com a criança que gagueja pode existir alguma tendência para lhe dizer que fale devagar, que tenha calma ou até para terminar as suas frases. Quando o fazemos, a criança pode interpretar que existe algo de errado com ela, podendo desencoraja-la perante situações comunicativas. Ao invés disso, o adulto pode oferecer à criança um ambiente tranquilo, falando pausadamente, de forma clara e dando-lhe tempo para terminar o que pretende dizer. De uma forma natural, a criança percebe que tem tempo para comunicar sem se sentir pressionada. A conversa poderá tornar-se mais fluente e significativa para ela.

  2. Fazer perguntas claras

    Durante a conversação tendemos a fazer perguntas vagas ou a colocar várias questões em simultâneo, sobretudo quando a resposta da criança tende a ser demorada. Para que a criança consiga processar a questão, selecionar o que pretende dizer e dizê-lo efetivamente, despenderá algum tempo, tanto mais tempo quanto maior for a complexidade do que lhe é proposto. De modo a tornar a criança mais eficaz no processo de comunicação, fazer-lhe perguntas claras e concretas, bem como realizar uma pergunta de cada vez, tornará o momento da comunicação mais fluente e harmonioso e a criança sentir-se-á mais competente enquanto falante.

    Uma outra alternativa, que tende a facilitar a comunicação, é o uso de partilhas por parte do adulto, por exemplo: “Ao almoço comi cerejas! E tu?” ou apenas “Ao almoço comi cerejas.”. Desta forma daremos um modelo e encorajamos a criança a partilhar algo relacionado consigo. A criança sentir-se-á mais segura e aumentará a sua iniciativa comunicativa.

  3. Escutar ativamente

    Todos gostamos de ser ouvidos!

    Quando conversamos com alguém que distribui a atenção por diferentes estímulos ou que parece apressar-nos, sentimo-nos desconfortáveis e sem desejo de continuar. As crianças, tal como os adultos, também tendem a interpretar esta comunicação não-verbal e isso reflete-se na sua disponibilidade emocional para situações comunicativas. A criança que gagueja, tende a interpretar que o outro não tem tempo para a ouvir, que não fala de forma adequada e um vasto conjunto de preconceitos relativamente à forma do seu discurso. É fundamental mostrar a esta criança que o conteúdo das suas partilhas é importante, que estamos realmente interessados no que ela nos conta e que estamos sempre lá para a ouvir. Se isto é o que sentimos, é importante que o nosso corpo também o transmita. É essencial manter o contato ocular enquanto falamos, adequar a nossa expressão facial ao conteúdo que nos está a ser transmitido e comentar o que a criança vai partilhando. Se o adulto não tem tempo para conversar naquele momento, é importante que o transmita claramente, por exemplo “Gostava muito que me contasses como correu a aula de dança. Vou terminar de estender a roupa e a seguir contas-me tudo.”

  4. Respeitar turnos de comunicação

    Respeitar a tomada de vez durante uma conversa é fundamental para o sucesso da comunicação e satisfação dos parceiros comunicativos. A criança que gagueja poderá ter uma maior dificuldade em identificar, preparar e iniciar o seu turno de comunicação, pelo que é importante que o adulto possa assumir responsabilidade na gestão destes turnos, permitindo que a criança participe e seja ouvida de forma equivalente às restantes crianças ou adultos que participam na conversa. Incentive a criança a participar e/ou faça jogos para que ela compreenda que também ela tem o seu turno, por exemplo, utilize um objeto para identificar o turno de cada pessoa.

  5. Construir autoestima

    A forma como nos relacionamos com a criança repercute-se na forma com criança se relaciona consigo mesma, isto é, no valor que acredita que tem independentemente do resultado. A isto chamamos autoestima.

    O desenvolvimento da autoestima ocorre em todas as interações que o adulto tem com a criança: quando comenta o seu desempenho num teste, quando comenta o seu comportamento e também quando reage à forma com a criança fala. Quando nos focamos na forma com ela comunica enfatizamos a dificuldade que a criança enfrenta (o tempo que demora para se expressar, as repetições que faz, os movimentos que realiza enquanto fala). A criança tenderá a interpretar que existem falhas na sua comunicação e que, talvez, não seja suficientemente boa falante. Quando isto acontece a criança pode optar por diminuir a sua participação ou pode sentir-se pressionada durante a conversação e, consequentemente, surgirem mais momentos de disfluência. A criança que adota este tipo de comportamentos é uma criança que não acredita no seu valor.

    Para desenvolver a autoestima de qualquer criança é importante que o adulto reconheça as suas forças, valorize o que a criança está a sentir, e, sobretudo, que lhe ensine que ela tem valor, mesmo quando não alcança o resultado pretendido.

    No caso da criança com gaguez, comentar a forma como ela se expressa pode acarretar situações de fuga e evitamento. Se reconhecermos o conteúdo do que nos transmite, reconhecermos os momentos em que as disfluências não ocorrem e também os momentos em que ocorrem, para a tranquilizar em relação a isso, (exemplo: “agora os animais – metáfora para disfluência – acordaram e daqui a pouco já vão dormir outra vez”), mostramos-lhe que mesmo quando gagueja está tudo bem e que o seu valor não depende da forma como fala. É importante que a criança saiba identificar coisas em que é boa e coisas em que não é tão boa e saber que continua a ser suficiente. Uma criança que se sente suficiente é uma criança que se sente feliz e que não encontrará na gaguez uma barreira para a sua vida presente e futura.

  6. Tempo Especial

    As crianças que gaguejam beneficiam de momentos de um-para-um, onde a atenção é plena e dedicada à criança. Momentos de 5 minutos, todos os dias, onde a criança possa conversar através do brincar, partilhar um livro com o adulto ou apenas conversar sobre o seu dia, permitirão que se envolva em situações comunicativas prazerosas, onde o adulto pode aplicar de forma consciente as dicas aqui sugeridas, ensinando à criança como ser um bom comunicador. Durante este período é importante que o adulto reduza a probabilidade de estímulos distratores como telemóvel, computador ou televisão.

    No caso de existirem outras crianças na família, a criança com gaguez não deve ser a única a usufruir de tempo especial. Todas deverão ter o seu tempo especial de modo a nenhuma se sentir inferiorizada ou valorizada em relação à outra. Afinal, todas as crianças são especiais e todas têm necessidades de conexão!

  7. Regras normais aplicam-se!

    Devemos educar uma criança com gaguez como a educaríamos se ela não gaguejasse. Quando sentir dúvidas sobe como agir numa determinada situação e sentir que essa dúvida surge associada ao facto de a criança gaguejar, questione-se sobre o que faria se a criança não gaguejasse. Afinal, cada criança é única e irrepetível e focar-se nas necessidades da criança e agir de acordo com isso pode ajudar os pais e a criança a desenvolverem uma relação segura onde a gaguez não é um problema, mas sim uma caraterística.

Inspirado: The Stuttering Foundation

Autora: Marta Sousa. Terapeuta da Fala.

Marta Sousa licenciou-se em Terapia da Fala pela Escola Superior de Saúde do Politécnico do Porto, em 2011. É pós-graduada em Motricidade Orofacial pelo Instituito EPAP e Mestranda em Informática Médica pela Faculdade de Medicina e Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Realizou ainda formação complementar em áreas relacionadas com: Surdez, Perturbação do Espectro do Autismo, Dificuldades de Aprendizagem, Dispraxia Verbal do Desenvolvimento, Gaguez Infantil, Disfagia Orofaríngea, entre outras.

Atua junto de crianças com perturbações da comunicação, atrasos ou perturbações de linguagem, dificuldades de aprendizagem, e dificuldade na produção de fala: articulação, gaguez e voz. Na sua intervenção privilegia o trabalho em equipa, considerando este um dos aspetos fundamentais para o sucesso da intervenção. A criança é encarada como um todo, sendo por isso fundamental saber ouvir as necessidades das famílias e partilhar com estas, educadores, professores e outros membros pertencentes à equipa, estratégias que potenciem o seu desenvolvimento.

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