Como explicar a morte às crianças? | De Mãe para Mãe

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Como explicar a morte às crianças?

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Vera RamalhoVera Ramalho, Psicóloga com especialização em psicoterapia e diretora do Psiquilibrios.


A morte, e o sentimento de luto a ela associado, é uma experiência inevitável no percurso de vida do ser humano. Trata-se de uma dor única para cada pessoa e que pode ser vivida de diferentes formas conforme a cultura em que se vive, inclusive pelas crianças.


O luto caracteriza-se pelo conjunto de sentimentos e de comportamentos intimamente ligados ao sofrimento causado pela perda de alguém ou de algo querido. A tristeza e mágoa associados ao luto não advém apenas da morte de uma pessoa, podendo relacionar-se também à perda de um animal de estimação, à separação ou divórcio dos pais (em crianças e adultos), entre outras situações.


Mas como explicar a morte a uma criança?

O caso efetivo da perda de uma pessoa amada ou de um animal de estimação por uma criança pode gerar angústia e preocupação nos pais ou parentes próximos pela dúvida sobre como abordar este acontecimento junto da criança. Esta dificuldade em falar sobre a morte com as crianças está, muitas vezes, relacionada com a dificuldade que os adultos têm eles próprios em lidar com a morte.

Tal como acontece no adulto, o luto da criança é um processo de reconstrução de significados que, com a perda, foram postos à prova. É comum as pessoas dizerem às crianças que os seus pais, avós, e outros entes queridos vão morrer muito velhinhos, ou seja, que ela não se deve preocupar com isso. E a verdade é que, de facto, não conseguimos antecipar a possibilidade de morte prematura e inesperada de alguém, e ainda bem, caso contrário, andaríamos sempre em sobressalto. Mas há situações em que é necessário chamar o tema à conversa e explicar à criança que alguém está muito doente (antecipando um desfecho inevitável) ou que morreu repentinamente.


Quando é que a criança é capaz de perceber a morte?

Por volta dos 6/7 anos a criança começa a perceber a morte como algo irreversível e, como consequência, surgem perguntas que devem ser respondidas apelando à verdade, mas sem dramatizar ou fazer de conta que não acontece. Este é um momento esperado ao nível do desenvolvimento e, por isso, não deve ser encarado como uma ameaça ou como algo desajustado. Ouça a criança e tente responder às suas dúvidas.


Seja sincero, mas poupe a criança a detalhes mórbidos ou desadequados.

Fale sobre a morte de forma serena, sem assustar a criança. Esteja preparado para falar, mas se achar que não irá conseguir e que irá descontrolar-se, fale mais tarde. Chorar quando fala com a criança perante uma situação de perda iminente, ou que já aconteceu, é natural e não é desadequado, o descontrolo é que não deve acontecer.


Explique os sentimentos que estão associados a uma perda.

Desde logo, é necessário encarar a tristeza e a dor que acompanham este momento como naturais a todo o processo da experiência de perda. Sentir-se triste ou com menos interesse nas atividades é natural, além de adequado. Além disso, a criança e os adultos podem chorar, ter dores de barriga, ou falta de vontade de brincar/trabalhar. Nada disso é errado ou motivo de vergonha.

Também é importante salientar que ao fim de alguns meses, a pessoa enlutada consegue voltar a criar laços e a dedicar-se à sua vida.


Explique à criança que não irá voltar a estar com aquela pessoa/animal.

É importante, embora difícil, aceitar que quando as pessoas morrem, não voltam. Isso deve ser explicado à criança, transmitindo a ideia de que será possível continuar a vida de forma gratificante, mas sem a pessoa que morreu, que agora passa a estar nas nossas lembranças. Outro aspeto de relevo é dizer à criança que podemos sempre falar sobre a pessoa/animal que morreu e fazer coisas que ela gostava como uma espécie de homenagem, por exemplo, no seu aniversário.


Explique à criança que poderá falar sobre aquela pessoa/animal sempre que desejar.

Não deve haver tabus sobre este assunto - o desconforto dos adultos vai dizer à criança que algo não está bem. Há uma falsa ilusão social de que não falar vai doer menos, mas deixar de falar em quem se ama é um pedido cruel e que não faz sentido algum. Assim, é importante falar abertamente sobre a pessoa e relembrá-la em momentos especiais. Aquando do infortúnio da morte de uma pessoa que lhe é próxima, a criança terá de encontrar sentido para algo que não tem sentido, e, gradualmente, dar lugar à adaptação, ou seja, reorganizar a sua vida sem a presença física da pessoa que morreu, podendo e devendo falar e ouvir falar dela. A pessoa que morreu não é esquecida, mas antes colocada num local especial que permite ser relembrada sempre que quiserem.


E se alguém estiver gravemente doente?

Quando se trata de uma doença grave, o adulto deve ser o mais sincero possível com a criança, poupando-a de detalhes. O importante é ter em conta a idade e a compreensão da criança. A criança tem o direito de saber e deve ser ajudada a lidar com esta perda. Mentir será apenas uma forma de a deixar confusa e desconfiada, além de criar dificuldade em lidar com os seus sentimentos porque pode achar que não são adequados. Assim, quanto mais verdadeiros formos, mais estamos a ajudá-la a confiar em nós e na nossa capacidade de lidar com a situação e, consequentemente, ajudá-la. Caso o adulto não se sinta confortável para falar com a criança, deve aconselhar-se com alguém ou pedir ajuda a um amigo, familiar ou profissional.


E o amor também morre?

É importante explicar à criança que, apesar de alguém morrer, podemos continuar a amá-la. No entanto, agora vai ser diferente. O amor não morre, mas gradualmente vai mudar, porque amar em vida é diferente de amar depois da morte. A criança vai aprender a continuar a amar aquela pessoa, numa fase inicial com uma imensa vontade de estar novamente com ela; depois, através do pesar e da saudade. Com o passar do tempo, desejavelmente, vai caminhar para a construção de um espaço próprio para aquela pessoa no seu coração.


Artigo originalmente publicado na terceira edição da Revista De Mãe para Mãe, em abril de 2020.