Olá Meninas e grandes guerreiras
Tal como vocês,sou mãe de um Anjo, que partiu cedo demais e deixou uma saudade eterna. É a 1ª vez que me inscrevo neste site, embora já o conheça há muito tempo, mas nunca senti necessidade de me inscrever, acompanhava os bons e os maus momentos dos fóruns, nos bastidores.
Hoje resolvi escrever, não por mim, mas por causa das novas mamãs que tiveram o infortúnio de perder um ou mais filhos. Escrevo porque sei o que sentem, e o quanto se sentem incompreendidas e sem apoio. Eu também me senti, e ainda me sinto assim, e se de alguma maneira puder ajudar a consolar alguém, fico feliz. Somos companheiras de uma grande guerra e estamos feridas para sempre.
Se me tivesse inscrito neste site há mais tempo, teria passado por vários fóruns: treinantes, infertilidade, gravidez e agora perda gestacional.
1) Treinante- durante quase 2 anos, sem que tivesse a alegria de ter um positivo;
2) Infertlidade- após esse tempo, fomos encaminhados para as consultas de esterilidade, já com alguns exames feitos. O marido com soldados preguiçosos, e eu com um ligeiro síndrome dos ovários poliquísticos. O médico disse-nos que ainda assim, não era impossível uma gravidez natural, mas teríamos de fazer mais exames para sabermos o motivo dela ainda não ter acontecido. Mas eu acabei por engravidar uma semana depois da 1ª consulta, e antes de fazer as análises hormonais, que já as fiz grávida. Antes de descobrir a gravidez, o médico pelo resultado das análises decidiu que eu tinha uma ovulação fraca e com os soldados preguiçosos do marido, o ideal seria fazermos uma FIV e chamou-me para comunicar isso, mas como eu tinha descoberto que estava grávida, foi nos dada alta médica, e a indicação para voltar a tentar engravidar novamente (caso quisesse) um ano após o parto, porque as mulheres ficam mais férteis após um parto ou aborto.
3) Gravidez- sem dúvida alguma a melhor fase da minha vida. A DPP seria em Outubro de 2012. Uma gravidez milagre, há muito esperada e desejada. Andava nas nuvens, tudo corria bem, tinha muitos enjoos e azia, mas nada que uma mãe não suportasse por um bem maior. O bebé crescia bem, aparentemente normal, rastreio bioquímico excelente, na eco das 12 semanas o bebé parecia normal (os órgãos todos presentes), um mexilhão de 1ª, foram precisas duas horas para o médico poder fazer a eco, porque ele não parava quieto. Comecei a senti-lo sem dúvidas com 14 semanas e meia (a 1ª vez, foi com 12 semanas e meia, mas fiquei na dúvida). O coração sempre forte nas consultas no CS, após auscultações com o doppler. O pai começou a senti-lo com 17 semanas. E eu iludida, pensava, um bebé tão activo, deve ter bastante vitalidade. Estava linda, feliz e sentia-me capaz de tudo. E em Outubro esperava ter o meu bebé-milagre nos braços. Sempre senti que era um rapaz e já o chamava pelo nome. Já reagia a minha voz e falava muito com ele. E às 22 semanas e 6 dias tivemos a morfológica!
4) Começa agora a pior parte da história e a qual eu não estava preparada para viver, a Perda Gestacional!
Na eco, o nosso mundo desabou quando o médico nos diz que o nosso menino tinha uma cardiopatia incompatível com a vida, Síndrome do Ventrículo Esquerdo Hipoplásico. Fomos imediatamente encaminhados para um ecocardiograma fetal, que confirmou a cardiopatia complexa, a pior de todas, e para a qual não há cura. O ventrículo esquerdo é o lado fundamental do coração, e não se tinha desenvolvido, e nunca ia conseguir bombear o sangue para o organismo do nosso bebé, e ele tinha também a veia aorta atrofiada, bem como a artéria mitral, e ainda umas veias mal formadas que fazem a ligação aos pulmões. Nem queríamos acreditar no que estávamos a ouvir, nunca tinha havido nenhum problema com os bebés nas duas famílias, de nenhum tipo, fomos os primeiros a ter problemas.
O nosso bem mais precioso, só estava vivo porque estava dentro de mim, e cá fora não ia sobreviver. A cardiologista foi categórica ao afirmar que ele muito possivelmente nem ia nascer vivo, porque com o restante tempo de gravidez que faltava e com o crescimento dele, o coração dele não ia conseguir bombear o sangue para os órgãos, e ele acabaria por morrer antes do parto, ou durante o parto, já que parto é um momento de stress e de sofrimento para os bebés, que sofrem acelerações e desacelerações durante o processo de parto, e o nosso menino, com um coração hipoplásico, não aguentaria tal esforço. Tínhamos de interromper a gravidez, e deixar o nosso bebé regressar à casa dele. Teria de fazer uma amniocentese, para descartarmos a hipótese da cardiopatia ser causada pelo síndrome de “Digeorge” ou Síndrome da deleção 22q11.2, é uma desordem causada pela deleção de um pequeno pedaço do cromossoma 22, próximo do meio do cromossoma, na localização designada com q11.2.
Desabamos os dois naquela maternidade, nem queríamos acreditar que esperamos por ele quase dois anos, para depois termos de matá-lo! Sim, porque no fundo foi isso que fizemos.
Que teria de ser feita a autópsia do bebé para estudo, e que para isso ser feito, não poderíamos fazer o funeral dele, e deveríamos doar o corpo dele para ciência. E assim o decidimos, que o nosso Anjo pudesse ajudar a ciência e a formar futuros médicos que poderão salvar muitas vidas.
E iriam parar o coração dele, para ele não sofrer com o parto. Isso foi feito na amniocentese, sem que nos dissessem (e hoje agradeço que tenham feito isso), disseram que só o fariam no dia do parto, mas eu soube depois da amniocentese porque deixei de o sentir.
Foi a pior semana da minha vida, a descoberta numa 2ª, a amniocentese numa 5ª e o parto num sábado. Ainda assim tentei aguentar-me pelo meu bebé, que merecia passar os últimos dias dele na terra com dignidade e com todo o respeito que a vida dele merecia. Pedi-lhe muitas desculpas, mas disse-lhe que ia doer muito mais em mim, do que a ele, que por amor faria o maior sacrifício das nossas vidas para ele não sofrer, que nunca me perdoaria se o deixasse sofrer por um só segundo que fosse. E disse-lhe que ele ia ser amado eternamente e que nunca iria ser esquecido. Chorei, chorei, chorei agarrada a minha barriga. O pai desabou também e fartou-se de chorar agarrado a mim, e ainda hoje recordo a dor que vi nos olhos dele, e acho que nunca vou esquecer.
Uma parte de mim morreu quando tive de assinar os 3 malditos papéis, dos quais hoje não me lembro de uma única palavra, um a autorizar uma amniocentese, outro a autorizar a morte do meu bebé, e outro a doar o corpo para a ciência.
Comovemos o pessoal técnico, naquele dia fatídico, fomos muito bem tratados, com respeito e com dignidade, e mais não fizeram porque não podiam.
Foi-nos explicado o processo de parto, o não uso da epidural num caso de parto prematuro para não atrasar o trabalho de parto, etc..
O meu menino partiu com 23 semanas e 2 dias. Mais 5 dias e teríamos entrado no 6 mês.
O trabalho de parto durou 12 horas no total, fisicamente horrível, vocês sabem o quanto. Parir a morte é horrível, passar por tudo isso para não ouvir um bebé chorar, foi de corroer a alma até ao mais ínfimo recanto. Graças a Deus, não tive de fazer curetagem, a placenta saiu completa, ao menos nisso fui poupada.
Tive direito a uma subida de leite brutal, com dores horríveis, nem podia encostar os braços ao corpo, 3 dias após o parto, o leite pingava-me para os pés, chorei feita desalmada por ter tanto leite, e não ter um bebé para amamentar.
Foi feito o estudo genético do bebé e também a autópsia, e não houve causa genética para a cardiopatia dele, a ciência não sabe explicar a causa nos casos não genéticos, e atribuem a uma má divisão das células no momento da fecundação (o que não nos da consolo nenhum), e que este problema só se detecta a partir das 18 semanas, mas as certezas só se tem com a morfológica entre as 20 e às 24 semanas. E que uma, em cada 100 gravidezes corre mal, que é uma roleta russa, e que a nós já nos saiu a fava e que da próxima saiu-nos o brinde. Foi um azar que tivemos.
Quero acreditar que o meu Anjo precisou de nós, que ele era um ser especial, muito iluminado, que veio para ter uma benesse, ser muito amado e desejado incondicionalmente, antes de voltar ao mundo espiritual e ter o descanso eterno, e que se nos escolheu para sermos os pais dele, é porque alguma coisa de especial também temos.
Está quase a fazer um ano que o perdemos, e a saudade continua, a dor está mais leve, dependendo dos dias, há dias bons, há dias maus, há dias em que parece que vou rebentar e não vou aguentar, mas temos de seguir em frente. Não sei como vou reagir quando fizer um ano dos dias piores das nossas vidas. Recordo-me de tudo, de todas as datas relacionadas com ele, desde a DUM até a DPP, tudo o que está no meio e no fim, tudo o que diz respeito a ele.
Meninas, nunca se esquece; o tempo não apaga a dor, só nos ensina a conviver com ela de forma menos dolorosa; é normal lembrarem-se de tudo; têm o direito de chorar, gritar e espernear sempre que quiserem; não há tempo para a duração do luto, vai durar o que tiver de durar, vai ser como vocês acharem melhor; vocês vão chorar a vida toda por eles; vão-se sentir incompreendidas pelas pessoas, e vão sentir-se sozinhas mesmo estando com muitas pessoas; a vida vai perder a graça e vão achar que nada faz sentido, e vão sobrevivendo, até que um dia, começam a viver de novo; não vão voltar a ser as mesmas; muita coisa vai perder a graça; vão descobrir com quem podem contar e com quem não podem (e isso vai doer demais nesta fase); irão ouvir a pior barbaridade que alguma vez se poderia dizer a uma mãe que passa por isso; terão de contar até 20 e respirar fundo para não serem mal-educadas com alguém (hoje já não sei se não deveria ter mesmo sido); o coração vai doer e vão ter dificuldade em respirar; o vosso filho será sempre vosso filho, quer tenham estado 4 semanas ou 40 semanas com ele, e nunca deixem que vos digam o contrário.
Infelizmente vão passar por tudo isso, espero que algumas passem bem menos coisas, mas não tenho, como esconder o sol com a peneira.
Mas saibam que todos os maus sentimentos que tenham, fazem parte, vocês não estão malucas, as pessoas é que não sabem a dimensão desta dor. É normal tudo o que sentem e vão sentir, cada uma vai saber fazer o seu luto da melhor maneira que entender, não deixem que frases como “tens de esquecer”, “não és a 1ª a passar por isso”, “depois tens outro”, e etc., vos deitem abaixo, se for preciso, mandem uns berros a quem vos disser isso. Se precisarem de ajuda profissional procurem sem vergonhas, seja em que tempo for, nem que seja um ano após a perda, não há tempos, e cada uma sabe melhor da sua dor que os outros.
Um dia vamos poder dizer que convivemos melhor com a dor, e que ela já não nos mutila a alma, mas quando será isso, só Deus saberá, até lá, temos de caminhar por entre dores e superações.
Um beijinho especial para cada uma e pensem, somos pessoas especiais, para termos sido escolhidas para sermos mães de Anjos, não é qualquer mulher que o consegue, e nem todas teriam a capacidade de lhes dar o que eles vieram buscar aqui.