Olá a todas!
Sou enfermeira e ando a fazer um doutoramento na mesma área. Andei muito stressada com as provas orais de defesa do projecto da minha tese, sentia-me cansada e sempre com sono. Nunca me ocorreu que pudesse estar grávida e associei a ausencia do periodo menstrual ao stress.
Finalmente, fui de férias! Levei os pensos e os tampões na mala de viagem, pensei que quando relaxasse a menstruação iria aparecer. Mas o peito estava tenso e dorido e comecei a desconfiar. Disse ao meu marido o que poderia estar a passar-se e ele ficou logo entusiasmado com a ideia. Disse-lhe que para mim esta não era a melhor altura, por causa dos estudos (como me arrependi de pensar assim...).
No dia seguinte, apareceu-me uma mancha de sangue e parti do principio que era o periodo e que o peito sensivel era tensão pré-mestrual. Qual não foi o meu espanto quando no dia seguinte já não tinha período!! Nesse instante percebi imediatamente o que se estava a passar, fui a correr à farmácia comprar um teste, que deu positivo (dia 26/07).
A notícia: o meu marido ficou surpreso e feliz, a minha mãe apreensiva pelo facto de eu andar a estudar, a minha irmã preocupada porque já tinha tido 2 abortos que começaram assim pelas perdas de sangue. Eu só chorava, foi um choque: por um lado não era a altura ideal, por outra senti-me abençoada por poder gerar uma nova vida, por ir ter um bebé (sempre quis ter filhos mas, por vários motivos, fomos sempre adiando a decisão).
A partir daí, nesse mesmo dia, foi um começar a fazer planos, a reorganizar mentalmente vida pessoal, profissional e académica, e, subitamente... estava tão feliz que já nada importava, tudo se organizava, já sentia que tudo era irrelevante perante a vinda de um filho!!
Comecei a tentar lembrar-me da data da ultima menstruação... já estava de 7 semanas!! Eu nem queria acreditar no que estava a acontecer!! Corri a telefonar à minha GO que me disse para fazer algum repouso, ir à urgencia se houvesse nova perda de sangue e marcou consulta para a próxima 6ªF (29/07/11)pois não conseguia consulta mais cedo e eu estava a 400Km de distância!
Os dias custaram a passar! No dia da Consulta tive mais uma pequena perda, fizemos os 400km a pouco mais do que 50km/h e a evitar os buracos da estrada nacional. A minha mãe veio para minha casa.
Eu estava muito ansiosa. O meu marido também, quase nem falavamos na sala de espera do consultório. Quando contei à minha GO mais em pormenor o que se passava, ela quis fazer ecografia de imediato.
Começou a fazer a eco e a explicar que o que se estava a ver era o saco gestacional. Depois calou-se. Silêncio... ela procurava, procurava e procurava o embrião, que não se via em lado nenhum... Eu percebi o que estava a acontecer, apesar da GO estar em silêncio. Olhei para o meu marido, que aguardava ansiosamente ouvir uma batida do pequeno coração e acenei-lhe que não com a cabeça, algo estava mal e ele percebeu.
De repente o tempo pareceu parar e achei que o meu mundo ia acabar naquele momento. A GO dizia baixinho: "ora, eu vou medir outra vez,mas parece que o saco já tem 20mm". Eu sabia o que isso significava: GRAVIDEZ ANEMBRIONÁRIA! A GO perguntou se eu já tinha ouvido falar em "Óvulo Branco" ou "Ovo Cego", os outros nomes para designar uma gravidez anembrionária. Eu disse que sim, percebia o que se estava a passar, sabia que o embrião já não iria desenvolver às 7 semanas e com um saco já com 20mm! Mesmo assim, a GO quis esperar mais 4 dias para confirmar o diagnóstico e para esperar um aborto espontâneo.
Saí do consultório e acenei que não com a cabeça para a minha mãe que estava na sala de espera. Não conseguia falar. Liguei para a minha chefe para dizer que ia ficar de atestado, pois ela tinha que redistribuir os meus turnos no hospital pelos meus colegas, nem conseguia falar, chorava compulsivamente. Doia-me a cabeça, parecia que ia explodir... o pior de tudo era sentimento de culpa por ter, por momentos, dias atrás, ter chorado porque era uma má altura para engravidar. Pensei que era Deus que estava a castigar-me e foi esse sentimento de culpa que me acompanhou sempre e acompanha até hoje.
Foram dias horriveis à espera do aborto espontâneo, que nunca aconteceu. Estava grávida, com todos os sintomas, a barriga estava maior mas sabia que não estava lá nada, sentia-me a mulher mais inútil do mundo!!! Não consegui gerar um filho, só uma placenta e um saco embrionário!!
No dia 02/08/11 às 21h, com 8 semanas de gravidez, fui à maternidade para realizar a interrupção terapêutica da gravidez. Lá estava a minha médica, conforme o combinado no consultório, que fez a eco e confirmou o inevitável. Colocou-me o Cytotec por via vaginal e lá fui para casa. Como sou enfermeira, a médica nem entrou muito em detalhes, eu já sabia o que iria acontecer, só não imaginava era que iria correr tão mal!!
Vim para casa, apoiada pelo meu marido, já a sentir contrações. Mal cheguei a casa tomei logo a medicação analgésica que a GO tinha indicado. Deitei-me e passadas 2h começaram as contracções a sério. Começaram também os efeitos secundários do Cytotec, eu não sabia que tinha hipersensibilidade ao medicamento e nem imaginava o que estava para vir...
Começaram as dores a valer e estava na hora de tomar novamente a medicação analgésica, segundo a indicação da GO. Sentia-me um trapo, fui para a sanita, comecei ter diarreia intensa que não parava e eram dores de morrer. Tomei a medicação, mas nessa altura vieram os vómitos e lá saíram os comprimidos que supostamente me iriam aliviar as dores. Já não conseguia falar, só gemia com dores. Lembro-me de ver o meu marido pálido, encostado à porta do wc, já não sabia mais o que havia de fazer... tive uma hemorragia imensa e a expulsão foi horrivel!
Eram 4h30m da manhâ quando consegui sair da sanita, depois colocar um imodium, dos que se dissolvem na boca, para parar a diarreia. As contrações continuavam e só mais tarde é que consegui ficar com a medicação no estômago. As pernas tremiam, tal tinha sido o esforço. O meu marido levou-me para a cama, nem conseguia andar. Como eu desejei estar no hospital, para que as me dessem medicação endovenosa...
Não quis ficar em casa, fui trabalhar logo na 2ªf seguinte (08/08), ia ficar sozinha em casa a pensar no mesmo... achei que ia deprimir. Avisei o hospital que iria muito mais cedo do que o previsto, queria ocupar o pensamento com os que sofrem ainda mais do que eu estava a sofrer (eu trabalho num serviço essencialmente oncológico). Se calhar não foi em vão que passei por isto, pelo menos aprendi a valorizar ainda mais as queixas dos meus doentes, a sua dor psicológica, o seu mau-estar...
Passada uma semana da expulsão fui fazer nova eco para ver se estava tudo limpinho. A GO ficou atónita quando lhe disse o quanto passei mal. Fez a eco: mais uma má noticia, o endométrio tinha ainda 13mm de espessura, a GO disse que só partiria para a curetagem se tivesse mais do q 14mm. Disse que o ideal era colocar novamente o Cytotec, mas não podia ser por causa da hipersensibilidade. Receitou-me outra medicação, o Methergin, para fazer durante 5 dias.
Hoje, passados 15 dias, ainda saem os restinhos de placenta e endométrio... Sinto-me muito cansada, hoje estive a trabalhar de noite e fiz analises de manhâ para ver como está a hemoglobina, mas acho que este cansaço tb é psicológico. Cheguei a casa a chorar e vim aqui ler as mensagens do forum, vim sentir que não sou a unica a passar por isto e que existem pessoas que depois de tudo tem filhos lindos, assim como a minha mana que depois de 2 abortos teve uma menina e depois um menino!!
Parece que cada vez mais me custa estar perto de grávidas e de bebés, será isto normal???!!
Agora tenho uma vontade inexplicavel de ser mãe, já não me importa nada do que anteriormente me preocupava, senti que amei incondicionalmente um filho que nem chegou a existir!! Como é possivel se amar assim?? Como é possivel esta dor tão grande, este sentimento de perda inexplicável??
Sento-me verdadeiramente a fazer um luto por um filho que não existiu, nem posso dizer que tenho uma estrelinha a brilhar no céu, porque o saco estava vazio... isto corroi-me por dentro!! Apesar de desejar tanto ser mãe, não me sinto preparada para começar os "treinos" quando a médica der autorização, tenho muito, muito medo de sofrer mais uma vez... mas vou ser forte e no inicio de 2012 tenho que tentar, vamos ver...
Desculpem este texto tão grande, mas nem imaginam o quanto me fez bem escrevê-lo, as lágrimas pararam de correr e sinto-me mais leve.
Bem-hajam todas vós que partilham aqui as vossas experiências!!